BRF fraudava laudos laboratoriais e vendia carne de qualidade duvidosa
Laboratórios credenciados estariam escondendo qualidade sanitária dos lotes de animais
A Polícia Federal deflagrou ontem a Operação Trapaça, que decretou 11 pedidos de prisão temporária para pessoas ligadas à BRF. Elas são acusadas de participar de um esquema que fraudava laudos laboratoriais para esconder a qualidade sanitária dos produtos e instalações da companhia. Através das fraudes, a empresa, que é uma das maiores companhias de alimentos do mundo, dona das marcas Sadia e Perdigão, poderia estar vendendo carne contaminada com bactérias nocivas à saúde pública. Entre os presos estão o ex-diretor-presidente global Pedro de Andrade Faria e o vice-presidente de Operações Globais da empresa, Hélio Rubens Mendes dos Santos Júnior.
Segundo a Polícia Federal, as investigações mostraram que cinco laboratórios credenciados pela Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), fraudavam os resultados dos exames de amostras do processo industrial. O objetivo era burlar a inspeção para impedir a fiscalização do ministério sobre a qualidade do processo industrial da BRF. A Polícia Federal, que apura fraudes entre os anos de 2012 e 2015, alega que o esquema era acobertado pelos executivos da companhia, além do corpo técnico e de profissionais que respondiam pela qualidade dos produtos da empresa.
Operação chegou em Goiás através da análise de emails enviados pela ex-empregada da BRF, Adriana Marques de Carvalho, que trabalhava no frigorífico de Rio Verde, no sudoeste de Goiás, e tem uma ação trabalhista contra a empresa. Segundo a PF, uma supervisora dessa fábrica escreveu um email solicitando que Adriana alterasse laudos das análises. Ao saber da ação trabalhista, o diretor-presidente global Pedro de Andrade Faria, recomendou que fossem tomadas “medidas drásticas” para proteger a empresa da apuração desses fatos. Um mandado de busca e apreensão também foi expedido para o frigorífico de Mineiros, no sudoeste de Goiás, onde há suspeita de adulteração da quantidade de laudos positivos de contaminação por Salmonella.
O alvo principal desta operação é justamente a fraude nas análises relacionadas ao grupo de bactérias Salmonella spp. A presença da bactéria salmonela é comum, principalmente em carne de aves, porque ela faz parte da flora intestinal desses animais. Durante o processo de preparo para o consumo, quando submetida a altas temperaturas, como fritura e cozimento, a bactéria é destruída. Dentre as mais de duas mil espécies de Salmonella, existem duas que oferecem risco à saúde pública e, por isso, devem ter medidas específicas nas granjas, visando a redução de riscos ao consumidor. As fraudes nas análises, como em Rio Verde e Mineiros, podem ter permitido o repasse de carnes contaminadas ao mercado. A PF disse que o risco a saúde pública “não está devidamente configurado” porque, apesar das fraudes, “as espécies não foram identificadas nos autos do processo”.
Apesar da PF não confirmar a presença das bactérias nas carnes, uma das testemunhas do processo, proprietária de uma granja no interior do Paraná, acusa a empresa de repassar animais contaminados para sua granja. A empresária disse à PF que mantinha contrato com a BRF para produção de frangos e recebeu um lote com 46 mil aves contaminadas com a bactéria Salmonella pullorum. A proprietária disse ainda que a BRF negligenciou o problema e que as aves acabaram sendo abatidas irregularmente e destinadas ao consumo. Em nota, a BRF disse que “a Salmonella Pullorum é essencialmente de aves e não causa nenhum dano à saúde humana”.
Sobre a Operação Trapaça, a empresa disse que “segue as normas e regulamentos brasileiros e internacionais referentes à produção e comercialização de seus produtos, e há mais de 80 anos demonstra seus compromissos com a qualidade e segurança alimentar, os quais estão presentes em todas as suas operações no Brasil e no mundo.
Conforme o jornal Valor Econômico, a operação de ontem aconteceu a partir de informações repassadas aos investigadores por Daniel Gonçalves Filho, acusado de ser o chefe de um esquema de corrupção no Ministério da Agricultura no Paraná. Gonçalves Filho fechou acordo de delação premiada com a Procuradoria Geral da República, que foi homologado em 19 de dezembro de 2017 pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Batizada de Operação Trapaça, esta é a terceira fase da Operação Carne Fraca, deflagrada em maio do ano passado. Ao todo, a PF cumpriu ontem 91 ordens judiciais em Goiás, nas cidades de Rio Verde e Mineiros, além dos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo. Os executivos em cargos de gerência da companhia também tiveram pedido de prisão. Ao todo, são 11 mandados de prisão temporária, 27 de condução coercitiva, 53 de busca e apreensão e 270 policiais federais envolvidos na Operação. Além de Rio Verde e Mineiros, as unidades da BRF de Carambeí (PR) e Chapecó (SC), também foram alvos da Operação.
A Operação Carne Fraca produziu um prejuízo recorde de R$ 1,1 bilhão para a BRF em 2017 e colocou em cheque a qualidade da carne brasileira. Ontem as ações da BRF despencaram 19,75%, a maior queda diária da história da empresa. No ano, a ação acumula queda de 32,4% e a BRF perdeu quase R$ 5 bilhões em valor de mercado em um único dia, segundo dados da provedora de informações financeiras Economatica.
Diário da Manhã