O casarão de portas e janelas vermelhas

O jornalista Fábio Trancolin conta um pouco da história de Rio Verde em crônicas


Não lembro a data, mas era lá no mês de julho de 1977. Mudamos mais uma vez. Viemos morar no casarão da Rua 12 de outubro. À primeira vista, ele era imenso, sempre moramos em casas pequenas, ao entrarmos, uma sala, depois outra e mais um cômodo que servia de copa, três quartos, uma despensa, o piso era de madeira, quando corríamos, o barulho era assustador, com espaços que mais pareciam buracos, objetos caíam ali, poderia dar como perdido, pois já era. Era pintado de branco com as janelas e portas em vermelho elas eram de madeiras. Não tínhamos tantos móveis para que ele pudesse ficar muito bem decorado. Não fazia tanto tempo do acidente em que o caminhão entrou na nossa casa, e passou por cima dos nossos móveis.

Nessa época, o Vô Henrique passou um tempo lá em casa, ele já estava com 80 anos, e o barulho da molecada o incomodava. Logo ele foi embora, não quis ficar. E por falar em barulho, éramos acordados pelos recrutas do Tiro de Guerra, seis da manhã, eles já recebiam as instruções. Naquele tempo os sargentos que comandavam a tropa era o Sgtº Ronan, e o Sgtº Barbosa, eles moravam em frente. Naquele ano, o asfalto ainda não tinha chegado por ali, e tudo era cascalho, joguei bola ali na terra e no “poeirão”.

O que mais chamava atenção ali era o quintal, era imenso, tanto o do casarão em que eu morava quanto os vizinhos, o do lado debaixo, tinha casarão muito mais velho do que o nosso... Nele morava o Seu Nego e os filhos o Cleomar e a Ozâna, se ainda estivesse de pé e tivesse sido preservado seria uma relíquia patrimonial para a cultura local. Do lado de cima, era e ainda ela esta lá a Dona Suerlene. No casarão em que o Cleomar morava em um quarto escuro, o Tatão que era o nosso senhorio e o dele também, criava um cachorro, que não via a cor do sol, ele estava sempre preso, aquilo nos incomodava, à noite ele o soltava para dar uma volta, era um pastor parecia um lobo. Pensa num cão bravo.

O nosso quintal tinha oito pés de jabuticabas, duas mangueiras, e mais alguns pés de goiabas. E, nos vizinhos, além das mangas e jabuticabas, tinha caju e cajá-manga. O pai fez horta, e nos fizemos um campinho para jogar futebol, no fundo, tinha uma cerca de arame, só pra determinar território, e dali descia e chegava ao Córrego Barrinha. Alguns bailinhos foram realizados ali, muitas vezes, na vitrola, o Jerry Adriani cantou o ‘meu coração é de cristal’... Por falar em música, no dia 16 de agosto de 1977, eu morava lá, naquela terça-feira morria o rei do rock, a vizinha nossa amiga a Renê que morava atrás da cadeia velha, casa essa que depois nós fomos morar, desabou em lágrimas, ela chorou tanto com a perda do Elvis... Também quem não sentiu a perda do ídolo... 

Ali, passei bons e maravilhosos dias, eles eram longos, cheios de alegrias, tinha os bons amigos e muitas coisas pra fazer, nos quintais dos vizinhos... Na rua, no cerrado, nas beiras de córrego, nas quadras do TG e no Clube dos bancários. Na rua de cima, morava o Tio Juvenil, em 77, foi ano de eliminatórias para a copa do mundo, que aconteceria na Argentina no ano seguinte, e nós íamos lá para a casa do Tio assistir os jogos da Seleção Brasileira, ele já possuía TV em cores, era um espetáculo ver os jogos na televisão colorida. Teve um jogo que a turma do quintal da Dona Gasparina, (no ano seguinte também iríamos fazer parte daquele quintal), juntaram todos para ver o jogo, naquela época tudo era motivo para fazer churrasco e reunião que vazava as noites. O Brasil jogou contra a Bolívia, foi 8x0, nesse tempo, era o Brasil que goleava e era temido pelos adversários.

Moramos ali no casarão uns seis meses, mudamos para a Rua Ricardo Campos no final do ano, no quintal, tinha quatro casas, habitamos duas delas. Elas não eram grandes quanto o casarão, mas adorava o lugar, eram simples, mas aconchegantes. Tenho saudades do quintal, dos churrascos que eram feitos no chão (cavava se um buraco e colocava uma grande por cima). Ali fiz o meu aniversário de 10 anos. O pai fez festa, os amigos da marcenaria vieram os amigos da rua, também, os parentes apareceram... De presente, o pai me deu uma camisa do Palmeiras. O sócio ‘desonesto’ do pai me deu dinheiro de presente... A Tia (Dina) maravilhosa do coração vendia Avon, ela me presenteou com um carrinho azul que era um recipiente de shampoo...

Em 79, passou um vento por lá, e o telhado da nossa casa, ele levou, as telhas foram embora. O barulho do vento encanado e assustador, debaixo da mesa o pai nos colocou, ninguém se machucou, mas o susto... Ah, o susto esse foi grande... A nossa vizinha, a cadeia que naquela época era chamada de “cadeia velha”, ela servia apenas para ninhos de morcegos, corujas e pardais... E, também, é claro, para as brincadeiras da molecada. No finalzinho da tarde, os pardais em barulhenta algazarra retornavam... Naquele momento era normal, tinha demais era considerado “praga”, hoje eu sinto falta desse barulho... Mas não é só do barulho que eu sinto falta... Sinto falta do pouco que era muito...

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