Em cartaz: Entre abelhas

Filme está em exibição no Buriti Shopping Rio Verde


Não estou espantado ou surpreso com os espectadores que deixaram Entre Abelhas decepcionados após terem suas expectativas “traídas” pelo novo filme estrelado por Fábio Porchat. A trama do sujeito que, depois de separar-se da esposa e retornar cabisbaixo ao ninho materno, perde a capacidade de enxergar as pessoas e provoca “inúmeras confusões”, de fato, pode parecer bastante promissora para o tipo de comédia descontraída que o humorista, um dos poucos verdadeiramente bons do cenário nacional, está habituado a protagonizar. Isto, claro, se suas ambições e a de seu colaborador na websérie Porta dos Fundos, Ian SBF (anagrama para Samarão Brandão Fernandes), não fossem maiores. Nada contra o humor, mas esta premissa serve melhor como analogia à introversão emocional vivida pelo protagonista neste trabalho dramático agridoce, ousado, sombrio mas com traços esperançosos.

Escrito pelo próprio Porchat e SBF, o roteiro tem início na “despedida de casado” de Bruno (Porchat) em uma boate adulta, organizada por seu melhor amigo Davi (Marcos Veras). O produto da farra tem como resultado óbvio a ressaca física e moral, e inesperado, a perda gradual do discernimento humano de Bruno, registrado em eventos singulares e isolados – um taxista “desaparece” no percurso; um skate faz curvas “sozinho” – mas que começam a assumir uma proporção assustadoramente grande em sua vida. De início, a narrativa enxerga com humor pitoresco esta condição, sobretudo no agir da mãe (Irene Ravache), e não se dá por vencida – mãe e narrativa – antes de enfrentar a bateria de exames neurológicos e psiquiátricos que nada constatam de errado. Esta estrutura confere verossimilhança ao absurdo, areja as ideias, põe o humor em segundo plano e enfim abraça a seriedade do caso, sem ignorar todas as consequências da situação.

E os indícios da sobriedade narrativa estavam presentes desde o princípio: a fotografia de Alexandre Ramos evita o Rio de Janeiro cartão postal de Tom Jobim e Vinícius de Moraes para retratar a periferia feia, suja e desbotada, ao passo que a trilha sonora de Gabriel Chwojnik reproduz a melancolia que os eventos, especialmente os do terço final, exigem. A direção de SBF também faz sua parte bem feita e investe em planos com profundidade de campo reduzida e closes de Porchat, de forma a retratar o achatamento social progressivo experimentado por Bruno, no que parece uma alergia recém adquirida a relacionamentos humanos (o famoso “eu quero ficar sozinho com a minha dor”).

É quase isto, já que Porchat trata de incluir pequenos detalhes na sua composição que permitem enxergar Bruno não apenas como vítima, mas causador deste mal. Em conversa com a esposa Regina (Giovanna Lancellotti), Bruno mal disfarça o desdém que sente pela montagem teatral infantil estrelada por ela, embora tente desconversar e mostrar-se atencioso; com a mãe e o melhor-amigo, porém, não registra qualquer sentimento com situações potencialmente sérias envolvendo-os, pois está preocupado exclusivamente consigo mesmo. A verdade é que Bruno não sofre apenas de estresse e depressão decorrentes do fim do relacionamento, é ainda egoísta, e não é difícil enxergar por que relacionar-se com ele era insuportável para Regina. Afinal, não é somente que Bruno não veja pessoas, ele também não as ouve (sinta o peso deste verbo), e não só pessoas aleatórias, mas, como explica o psiquiatra interpretado por Marcelo Valle, as que não lhe têm nada a oferecer.

Apesar de acertar em retratar o lado mais desagradável de Bruno, inclusive o sofrimento provocado por sua condição e a consequente analgesia fruto da aceitação, que aliás reforça sua componente egoísta, Porchat às vezes erra ao fazer coro à voz dos que esperavam uma comédia e estavam dispostos a rir dos palavrões disparados pelo comediante, os quais conferem desnecessária ambiguidade cômica a cenas indiscutivelmente dramáticas. Bom exemplo – o único que não estraga as surpresas da trama –, é o desespero vivido por Bruno dentro de um ônibus: a composição de Porchat envia sinais para o cérebro rir da situação e parte do público obedece ao comando, mesmo que o bom senso insista que gargalhar não seja a reação mais adequada. Isto repete-se noutras ocasiões: uma que ocorre debaixo de chuva forte, outra que envolve uma cadeira vermelha e o destino de um personagem.

Não que o humor, quando natural, não seja eficaz: as cenas com o garçom interpretado por Luís Lobianco, mesmo se exageradas para provocar risos instantâneos, funcionam graças à boa montagem de Bernardo Pimenta e de Ian SBF, que constroem sequências com cautela, jamais apelativas do humor descontrolado, mas prevendo o potencial cômico do desfecho. A atuação de Irene Ravache diverte na dedicação incondicional a Bruno, diferentemente da presença de Marcos Veras, que erra no humor grosseiro, exceto durante uma partida de futebol “deserta”, mas aí os méritos são da cena em si que funciona de formas distintas para flamenguistas, para quem enxerga problemas na qualidade e gerência do futebol brasileiro ou só para quem quer rir.

Nesta combinação de drama, humor, alegoria e mais drama, Entre Abelhas explora com profundidade a premissa mas não oferece gratuitamente as respostas. E faz bem em não fazê-lo. A fuga das abelhas da colmeia de origem, abandonando a rainha no trono, dão-nos a pista de que precisamos; a introversão e a personalidade egocêntrica de Bruno contextualizam a alegoria no mundo real; e a presença de uma prostituta traz a irônica confirmação de que não devemos julgar um livro pela capa.

Ou um filme estrelado por Fábio Porchat como comédia. Às vezes, o humorista pode substituir a máscara costumeira e estrelar um drama reflexivo, contemporâneo e tocante.

O filme está em exibição no Buriti Shopping Rio Verde às 14h10, 16h40, 19h10 e 21h40. Para assistir ao trailer do filme, clique no ícone “Vídeos”.

Vídeo

Compartilhe

Comente: Em cartaz: Entre abelhas