As lembranças da campanha que não ganhamos

O jornalista Fábio Trancolin conta um pouco da história de Rio Verde em crônicas


Ano eleitoral de 1986, ano de mudanças no governo estadual, e a troca nas cadeiras da Assembleia Legislativa, no Congresso e Senado, para presidente ainda não tinha chegado o momento, teríamos que esperar um tempo ainda. Já trabalhei em eleições assim, eram outros tempos, não existiam os marqueteiros, e eleição se fazia no corpo a corpo, em carroceria de caminhão e muita sola de sapato gasta na poeira do chão batido.

Eu estava desempregado, a campanha já tinha começado, então meu pai falou com o Isaac Portilho que era o presidente da Câmara de vereadores e um dos coordenadores da campanha, para ver se ele achava algo para eu fazer. Ele muito amigo da nossa família, pediu que procurasse o vereador Luiz Alberto Leão (Hoje ele dá nome à escola onde a minha filha estuda e o meu filho estudou, justa homenagem ao bom amigo professor), e assim eu fiz, o comitê da campanha ficava ali em frente à Comigo, hoje é a Credi Rural. Chegando lá, me identifiquei e sabendo quem me recomendou no mesmo momento eu fui contratado. O comitê era movimentado, muito entra e sai, naquele tempo podia oferecer de tudo numa campanha, não tinha fiscalização e o povo pedia de tudo, de documentos a dentadura, material de construção, cesta básica, remédios, consulta, passagem, enterro, dinheiro e pinga... Ali era um ponto de distribuição de favores em busca do apoio nas urnas do dia 15 de novembro (Naquela época a eleição era no dia da Proclamação da República).

Estávamos em agosto, tínhamos um longo período de campanha pela frente. A minha função não tinha sido definida, saímos para fazer campanha nos bairros, distribuindo cartazes e ‘santinhos’ nas residências, mas isso durou pouco. Foi montada uma equipe para viajar e um dos coordenadores, disse que queria contar comigo na equipe dele. E assim foi feito. Esse cidadão era Iudes Pacheco, ele escolheu quem iria fazer parte da turma, Renilton (Rei), Jerry Adriani, Divino Eterno (Terninho), Sodino como motorista, e foi nos dado uma Caravan verde, naquele tempo não tinha plotagem, tudo era escrito a mão pelos pintores letreiros, o Bosco era um deles. A Caravan ficou pronta éramos a turma direta do candidato a Deputado Estadual Carlos Cunha (PDC) 17137, ele o vice-prefeito e se lançava a uma vaga na Assembleia, na mesma chapa tínhamos o candidato a Deputado Federal Paulo Roberto Cunha (PDC) 1701, que colocava o nome pela primeira a vez a disposição das urnas, líder classista respeitado no meio agrícola e cooperativista, os candidatos majoritários eram Wolney Siqueira (PFL) 2501 e Moises Abraão (PDC) 171, candidatos a uma vaga ao Senado, todos faziam parte do Movimento Democrático Goiano (MDG) que apoiavam o nome para o candidato ao governo do estado Mauro Borges (PDC) 17. E também tinha o Paulo Reis candidato do PDS, dele eu não me lembro do número.

A primeira viagem daquela turma foi para Castelândia, teria um comício naquela cidade, e a nossa função era de ir antes, colocar faixas e placas (essas placas eram de lata perfurada por um arame que colocávamos amarradas no alto dos postes, sempre respeitando a hierarquia da campanha, Governo, Senadores, e Dep. Fed. e Dep. Est.). Tínhamos que fazer o fogareiro para o grude (água e polvilho mexia até engrossar) para colar cartazes, isso demorava certo tempo, mas, nos foi ensinado pela turma que fazia a campanha do Wolney, que não era necessário esquentar, bastava colocar soda na água e mexer que virava cola, produto perigoso que deixou cicatrizes em alguns. Estávamos fazendo o nosso trabalho eu em cima de uma escada pregando placa, quando um dos amigos disse pula... Perguntei o que? Pula, tinha um cidadão com um revolver engatilhado em nossa direção, o jeito foi correr... Muitas vezes tivemos que fazer isso (correr), naquela época campanha era feita assim (à bala)... Certa vez no município de Santo Antônio da Barra estávamos colocando placas, quando apareceu um jovem, ele estava com o teor etílico acima da conta, e entrou no meio da turma, falando um monte de besteiras e tirando sarro do adversário, e queria porque queria subir na escada e colocar a placa, o dono do bar a tudo assistia e não falava nada, mas a cara era de poucos amigos, assim que saímos e o rapaz alcoolizado ficou sozinho, o cidadão simplesmente disparou quatro tiros à queima roupa e matando aquele que nada lhe fez de mal, apenas fez comentários ao candidato concorrente. O Prefeito de Rio Verde Osório Santa Cruz que era um dos articuladores da campanha na região cancelou o churrasco, perdeu a graça, não tínhamos mais nada a fazer ali.

As viagens continuaram o Sodino saiu, ele desentendeu com o Pacheco, agora éramos apenas cinco na Caravan. Quase todos os dias tinha viagem, estamos sempre nas estradas, cansativo, mas eu adorava viajar. O candidato nos dava uma cota em dinheiro para alimentação e hospedagem, mas o Pacheco, fez um acordo, almoçaríamos mais tarde, e o resto da verba ficava para cerveja, o cigarro para aqueles que fumavam o candidato disponibilizava, eu era um deles, ele comprava Hollywood e repassava pra gente, não gostava, cigarro forte. Tínhamos sempre as mesmas cidades para percorrer, Acreúna, Paraúna, Santo Antônio da Barra, Montividiu, Maurilândia, Castelândia, Indiara, Edéia e Santa Helena, essas eram as cidades que estavam no nosso roteiro. Cada uma delas teve uma história, engraçada, marcante e trágica, já falei sobre duas delas. Em Acreúna estive lá na inauguração da praça central, grande comício, as rachadas também eram por nossa conta, nós é que fazíamos, em duas ripas colocávamos os rojões, pregávamos, e depois ajeitava no local e era só esperar o combinado com o Pedro ‘Zoiudo’ para passarmos a gasolina e colocar fogo. E por falar no Pedro, ele era o locutor da campanha, a frase ‘Tá certo Paulo Roberto’ foi criada por ele, era uma figura, muitas histórias o ‘Zoiudo’ deixou. Nesse comício aconteceu algo inusitado a equipe do Paulo Roberto montou a rachada, a deles tinha que ser a melhor que a dos demais candidatos, (simplesmente ostentação e arrogância) ela foi colocada próxima a do candidato à vice Alcides, que iria falar antes do Paulo, aconteceu um incidente a chama da rachada dele espalhou e atingiu a do PRC, foram tantos fogos quase que o Alcides não falou, os fogos não paravam, parecia virada de ano, a turma do Paulo entrou em desespero, e a rachada do patrão foi para o espaço. Pediram para que cedêssemos a nossa, recusamos, não gostávamos de alguns deles, fizeram um ‘mutirãozinho’ e improvisaram um barulho. Divertimo-nos com a situação.

Numa noite teve um comício no Parque Bandeirantes e de lá saímos em direção a Maurilândia, naquela noite ninguém dormiu, fomos direto, passamos a noite toda pregando cartaz e preparando a cidade para o dia seguinte, o candidato ao governo faria um comício ali a tarde. Depois do serviço pronto alguém nos avisou que pessoas ligadas ao candidato do outro lado tinham arrancado e desfeito todo o trabalho que fizemos a noite toda. E na porta de uma loja de eletrodomésticos os dois lados se encontraram, começou uma discussão, que logo virou briga, foi porrada pra tudo que era lado, eu vi que o Pacheco estava no meio, fui na intenção de tirar ele, porém nesse momento, alguém, com um grampeador (era um dos grandes), acertaram a cabeça do cidadão que começou a briga, foi sangue pra tudo que era lado e ele tombou desmaiado, foi no exato momento em que eu levei um chute, eu revidei, e deu a entender que foi eu quem acertou o cara com o grampeador. E quando eu saia do meio da confusão, alguém me disse, no ouvido, ‘você acertou o Tião, você não sai vivo daqui’...  Pensei, ferrou e agora? Eu era apontando por onde passava, e comecei a ficar preocupado com aquela situação, não queria subir mais em escada, pois era alvo fácil, quando o Carlos Cunha chegou avisei para ele, que eu queria ir embora, pois o negócio estava ficando feio, ele chamou a policia e onde eu estava tinha sempre um soldado ao meu lado (já tive guarda costas), no final deu tudo certo, o Roni Cardoso cantou, animou o comício e a paz reinou...

Santa Helena foi à cidade que mais visitamos, ficávamos sempre no Hotel do japonês, o João Asa, ali a comida era farta, era piada na hora do almoço, o Japa dizendo, quer mais ‘birifu?’. Foi ali que passei o meu aniversário de 18 anos, todos eles sabiam do meu dia, porém ninguém falava nada, no café da manhã, nada, saiamos e todos calados, na hora do almoço, me chamaram no quarto e ao entrar tive uma surpresa, me deram um banho com um balde cheio de cerveja, foi uma festa. Depois do comício resolvemos que íamos comemorar o meu aniversário no Bar Samambaia (Bar que ficava na esquina da Costa Comes e Afonso Ferreira), porém na hora de voltar, um cidadão, que nos deu um trabalho danado naquele dia, ele se alojou na Caravan, e disse que não sairia dali, e ninguém conseguiu tirar, ele era complicado. Pedro ‘Zoiudo’, disse, ‘Fabinho, vem você vai comigo, deixa esse ‘viado... ’ E voltamos num Fiat, o tecladista da banda e mais um cara que pediu carona, e na estrada o motorista no trevo da BR 452 passou direto e quando vimos estávamos atravessado, o carro apagou, e nesse momento só ouvimos a buzina de uma carreta que vinha em alta velocidade na nossa direção, um olhou para o outro, e só ouvimos, ‘reza que chegou a hora’, o motorista conseguiu desviar do 147 e só sentimos o deslocamento de ar... Experiência horrorosa... Ao chegar em Rio Verde me deixaram em casa e não fui comemorar o meu aniversario, mas eles foram... E amanheceram no ‘Samambaia’...

No mesmo quarto que comemorei o meu aniversário, tempos depois eu ardia em febre, ela passou dos 40, noite de chuva forte, o comício foi cancelado, e eu passando mal, muito mal, tanto é que o Carlos ficou nervoso com o Iudes por me levar numa situação daquelas, deu lhe uma bronca e chamou o filho dele o Marcelo e pediu que me levasse para casa, assim voltamos, chovia tanto que não se via nada, e mesmo ruim, eu falei pra o Marcelo, tem alguma coisa na frente, e ele não tinha visto, um caminhão parado sobre a ponte do São Tomás, no iriamos ‘afundar’ a traseira do ‘brutu’. Ele me deixou em casa, e no dia seguinte fui encaminhado para o Doutor Carlos Costacurta, constatado pneumonia, e o médico disse para o pai, que eu era muito magrinho, estava muito debilitado e iria fazer o possível... Ele quase mata é o meu pai. Escapei... Pior foi o que estava escrito no papel que foi entregue na recepção, era encaminhamento de campanha, eu fui todo ‘arrumadinho’ só li depois ‘Caro amigo Doutor... Auxilie essa pessoa que é necessitada e não tem condições financeiras e precisa de ajuda’.  Ainda voltei para o final da campanha, fiquei chateado, pois no período que fiquei fora, eles foram para a Lagoa Santa e eu não participei dessa rota da viagem...

A campanha se aproximava do fim, muitos quilômetros rodados, várias foram às vezes que voltamos de madrugada, exaustos, no meio da estrada muitas vezes o Iudes pedia que cantássemos para que ninguém dormisse, quantos foguetes soltaram no meio da noite para espantar o sono... Dia 12 de novembro era o limite da propaganda eleitoral, e o último comício foi realizado na cidade de Edéia. A última rachada foi montada, e ela foi colocada no fundo do comitê, e por infelicidade a moradora do lado era adversária politica, ao estourar vários foguetes bateram na mangueira e caíram no quintal da vizinha, ele fez um escândalo dizendo que aquilo foi de propósito, e que foi por querer, a cidadã chamou a policia, depois de muito bate boca, e acusações fomos liberados, e fomos embora. E ao passar por Indiara decidimos que iriamos tomar umas cervejas, paramos e ao descermos percebemos que o bar tinha uma festa do partido contrário. E para não mostrar medo, entramos. A situação parecia que iria ficar tensa, nossa presença estava incomodando, então resolvemos ir embora. Quando entramos no carro, o Pacheco pediu que acendêssemos os cigarros e pegássemos os foguetes que sobrou. Miramos rumo ao bar, e a rachada disparada... Só víamos fumaça e gritaria, nunca soubemos o que aconteceu...

O nosso candidato não foi eleito, os majoritários também não, o Paulo Roberto teve a cadeira garantida no Congresso e o Paulo Reis foi para a Assembleia, porém não terminou o mandato, faleceu em 89. E, em eleição é assim: ganhou, amparado está, perdeu esquecido foi. Mas, os bons amigos ficaram e serão lembrados na história contada. E foram muitas histórias, que é melhor guardar na memória e não contar...

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