As bicicletas da infância

O jornalista Fábio Trancolin conta um pouco da história de Rio Verde em crônicas


Quem nunca levou um tombo de bicicleta é porque nunca andou em uma. Eu aprendi a andar numa bicicleta Caloi azul no pátio do Colégio Martins Borges, o pai comprou uma usada, era uma pequena que ele nos deu, ‘pra mim’ e o Jairinho. Antes nos pegávamos a bicicleta do Waldomiro, e saímos empurrando, primeiro porque era grande, então só empurrávamos, ele comentava, ‘que graça tem ficar empurrando?’... Menino sabe a graça que tem... Essa ‘magrelinha’ chegou lá em casa, não tinha mais para-lamas, ela já estava bem ‘esfoladinha’, mas era uma bicicleta. Nós pegávamos e levamos para a marcenaria, e o nosso amigo Eraldo que me ensinou a equilibrar e andar. Não tive rodinhas de apoio, não tive essa fase. Fui naquela ‘empurra e vai, cai e levanta’. E foram alguns tombos. Mas depois que pega o jeito tudo se torna mais fácil.

A ‘pequena’ ficou com a gente um tempo, depois veio outra azul, só que um pouco maior. O guidom dela o antigo dono cortou e assemelhava-se com um chifre. Levei alguns tombos nessa, foram várias as escoriações que ela deixou. Quando eu morava na Praça Ricardo Campos, na casa atrás do Palácio da Intendência, que naquela época era apenas a cadeia velha, a mãe pediu que eu fosse ao Bar do Ivan, (O Ivan Simplício era soldado da Policia Militar, e em frente à delegacia, ele tinha um bar com a esposa, a Rosa) comprar rosca para o café da tarde, era do lado, uns 50 metros, mas eu fui de ‘bike, deixei deitada na calçada enquanto comprava, quando sai, deparei com a roda da frente toda torta, um carro passou por cima do aro e entortou tudo, voltei carregando a ‘magrela’ e a rosca, quase chorando, pois não acreditava no que tinha acontecido. Ela ficou um bom tempo encostada, até que um dia o Jairinho resolveu desmontá-la com um amigo para pintar, desmontou, nunca mais consertou e foi vendida assim, aos pedaços.

Nunca tive uma bicicleta nova, talvez essa seja uma frustração da infância. Lembra-se da propaganda? ‘Não esqueça a minha Caloi’, A minha foi esquecida... Não que me incomodasse ou importasse, mas naquela época bicicleta era o presente. Queria fazer uma criança feliz desse lhe uma bicicleta no natal, dias das crianças ou aniversário. Esse era o presente. Passava na porta das Casas das Louças, Gigante do Lar, lá estavam elas nos mostruários a nos despertar os sonhos de brinquedos... Lembro que em um aniversário o Sargento Barbosa comprou uma azul para o Mário e uma vermelha para Adriana, eles faziam aniversario bem próximo e a festa era junta. A molecada ficou encantada com as duas em exposição no quarto... Não era inveja, era deslumbre e encantamento. Sonhei muito em ter uma BMX, era o máximo a ‘bike’ estilo moto amarela e preta... Em 81 o Tio Claudio deu uma para o Ricardo, era linda, andei muito nela quando morei em Sampa...

O Murilo tinha uma Monareta cor de cenoura, às vezes eu pegava e andava nela, em um dos passeios, eu vinha pela Rua Presidente Kennedy (Rua do Tiro de Guerra), em alta velocidade, moleque não anda devagar, quando vi um saco de linhagem no meio da rua, ali em frente onde hoje é o churrasquinho do Reginaldo, que naquela época era casa do Giuliano (E das belas irmãs a Giovana e Giane)... Deu para imaginar o que aconteceu, passei por cima, bicicleta para um lado e eu para o outro, colocaram uma pedra debaixo do saco, esfolei... E danifiquei a bicicleta do amigo, fiz alguns reparos e devolvi. Depois ele disse que a bicicleta estava um tanto quanto estranha... Mas nada falei...


Outro tombo inesquecível foi um na porta do mercado velho na Rua Coronel Vaiano. Estava com a bicicleta do meu primo o Hélcio, uma Barra Circularvermelha linda e nova. Vinha em alta velocidade tinha virado na Abel Pereira de Castro e ia todo acelerado, quando sai um senhor de uma frutaria que ficava em frente, hoje ali é a Imobiliária Franco. Ele não me viu, tentei tirar dele, mas, não consegui, atropelei o senhorzinho, só via frutas e verduras subindo e esparramando pelo chão, eu fui parar embaixo da bicicleta, e o cidadão caiu do outro lado. Ele todo preocupado comigo, pois acreditava que eu tinha me arrebentado. Mas a galera que estava nos armazéns do mercado, não achara a mesma coisa e começaram a me ‘xingar’, eu mais que depressa peguei a bicicleta e tratei de correr, não foi desrespeito com o senhor, foi por medo, eu pequeno e a galera revoltosa, tinha que sair dali, respondi antes para ‘ele estou bem’, vi que ele não estava machucado... E corri...

Eu morava em frente à OSEGO (Hoje o SAMU). O Roberto pediu para que eu fosse comprar um adesivo para ele colar no caminhão, me disse, tem na Banca Tio Patinhas (Ela ficava na Rua Rafael Nascimento, onde hoje está o Boticário). Ele me disse, ‘vai na minha bicicleta’, uma Caloi 10, nossa vou agora disse. Estava descalço e sem camisa, só de bermuda. Antes de sair ele me disse (Sei que lá, não seio o que...) olhei para trás sem escutar ou entender nada, falei ‘tá bom’ e fui. Um quarteirão depois ao tentar frear eu entendi o que ele quis dizer, a bicicleta estava sem freios... Mas eu já tinha acelerado e colocado na marcha pesada, para correr mais ainda... E cada vez ela ficava mais rápida, e eu mais do que preocupado, o que fazer? Naquela época o trânsito não era tão intenso como é hoje, a Augusta Bastos subia e descia, porém o fluxo era pequeno, não tão pequeno, mas em relação à hoje, era. Fazer o retorno não dava para virar naquela velocidade era tombo na certa, e se aproximava a Rua Ataliba Ribeiro, a presidente acabava ali num enorme buraco... Quase chegando à Rua Professor Joaquim Pedro, decidi ‘é agora’ e fiz o retorno, não deu outra bati no meio fio e cai, e é claro, esfolei os joelhos e alguns dedos do pé...

Teve um que quase me arrebenta, o meu primo Hilton chegou lá em casa com uma bicicleta, pedi, posso dar uma volta? Ele disse vai... Eu morava na Rua Goiânia, desci e virei à direita na Geraldo Jaime, dei a volta no quarteirão, chegando à porta de casa resolvi dar outra volta, só que dessa vez eu virei à esquerda, porém em alta velocidade, naquela época o Colégio do Sol estava sem muro devido à revolta dos alunos, a direção plantou árvores e as protegeram com cerca de bambu, bati no meio fio, fui arremessado em cima das cerquinhas e arranquei umas duas com as costas, desloquei a clavícula, e me esfolei todo. Sem contar os danos na bicicleta do primo...

Em 2000 eu realizei um sonho de criança, comprei uma linda bicicleta verde na loja... O Victor Hugo antes de completar 12 anos, já ganhou três bicicletas novas, e a Yasmin antes dos 10 ganhou duas... E presenteando os meus filhos, fico mais feliz, também me realizo... São outros tempos, sei que o pai fez o que pode, e dentro das possibilidades nos proporcionou com o que deu. Naqueles tempos os espaços eram outros, e o que tínhamos valia muito mais do que qualquer presente... Liberdade e segurança... E muita felicidade... De camisa de peito aberto, descalço e cabelo ao vento... Se caísse, levantasse e fosse de novo...

Compartilhe

Comente: As bicicletas da infância