A casa dos loucos

Conheça um pouco mais da realidade dos sanatórios de Rio Verde


Professores, engenheiros, e até um bancário, de 33 anos, que se incumbiu pessoalmente da missão de salvar toda a sociedade ocidental de um poderoso e, ao mesmo tempo misterioso, ataque atômico dos antigos comunistas do leste europeu. Uma senhora que não pára nunca de contar e que, baseando-se no dia do mês de nascimento do interlocutor, calcula imediatamente em que dia da semana será o próximo aniversário e também dos anos anteriores. Uma mulher que se julga uma riquíssima empresária. Um jovem que gosta de se gabar de suas fazendas imaginárias e promete volumosas doações em dinheiro para os colegas, funcionários e para as visitas. A mania de grandeza é comum à maioria dos mais de 100 habitantes nos dois sanatórios psiquiátricos de Rio Verde.

Responsável há quase 15 anos pelo tratamento dos pacientes que dão entrada no Hospital Marat de Sousa e no Sanatório Espírita Dona Marieta, o psiquiatra José Vitor Pires Bicalho não recebe exclusivamente pessoas que nasceram com doenças congênitas no cérebro. Entre os internos que moram cercados por muros altos, não é difícil encontrar gente que levava uma vida normal até bem pouco tempo e hoje passa por tratamento mental. Existem também pessoas que são tratadas por alguns meses e depois se recuperam totalmente, alcoólatras que atingiram estágios irreversíveis de loucura e, entre outros, pacientes que sofrem com quadros avançados de depressão ou mania de perseguição. A idade varia de 14 a 80 anos.

Embora não tenham sido condenados por nenhum tipo de crime, os deficientes mentais levam uma vida bastante semelhante com a de qualquer população carcerária. Há casos de internos que já receberam alta da direção há muitos anos, mas, rejeitados pela família e pela eterna incompreensão da sociedade, permanecem o resto da vida privados da liberdade. Os dois hospícios estão sempre com lotação máxima. Eles acolhem deficientes que, esquecidos pelos parentes, chegam sem ter mais do que a roupa do corpo e não nunca são procurados. “A família deixa o doente aqui e não vem trazer um lanche que seja, ou mesmo roupas novas e objetos de higiene pessoal”, reclama Andréa Rodrigues de Sousa, diretora do Hospital Marat.
O médico se diz testemunha de que o acompanhamento da família é fundamental no tratamento. Os pacientes abandonados, geralmente, entram em depressão e agravam os transtornos já existentes. A assistente social Mithela Izidoro Siqueira relata o caso de uma mulher que já recebeu liberação diversas vezes, mas depois retorna em situação pior. “Ela vem de uma família totalmente desequilibrada. Após pouco tempo sendo maltratada pelos parentes, ela volta com um quadro ainda mais triste.” É comum que alguns residentes permaneçam toda a vida esperando e perguntando pela volta dos que os deixaram ali.

Estrutura
O Hospital Marat de Sousa é uma empresa privada, criada em 1973 pelo psiquiatra que dá nome à instituição e que faleceu em 1983. O Sanatório, administrado por Silvani Martins da Silva, filha de Antônio Martins, que fundou a casa há trinta nos, é constituído como entidade filantrópica. As duas instituições recebem auxílio do Sistema Único de Saúde e também algumas doações da sociedade. Para atender as normas do SUS, cada uma conta possui equipe médica formada por psiquiatra, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, médico clínico e farmacêutico. O órgão federal exige cumprimento de regras definidas de hotelaria, medicação e alimentação.

A direção das duas casas faz campanha permanente para que a sociedade contribua durante todo o ano. Conforme protesta a advogada Márcia Cunha, auxiliar administrativa do Marat, o espírito de solidariedade da maioria da sociedade parece não sobreviver fora do natal. “Por não sermos uma instituição filantrópica, recebemos poucas contribuições”, considera.

O tratamento é individualizado, e o tratamento ambulatorialé feito de acordo com a deficiência. A eletro-convulsoterapia, popularmente conhecida como tratamento de choque, não é utilizada por falta de recursos. “Precisaríamos de uma estrutura que não temos, com sala especial de ressucitação e o acompanhamento de um anestesista”, explica José Vitor. Segundo o psiquiatra, apesar do preconceito que cerca o tratamento com ondas elétricas, ele ainda é uma das maneiras mais eficazes de se tratar os quadros mais avançados de loucura.

Atividades
Os residentes das duas casas praticam atividades lúdicas e se beneficiam das visitas de voluntários de clubes de serviço, entidades filantrópicas e grupos que se reúnem com o intento de levar solidariedade e diversão. Além de consulta laboratorial, fisioterapia e educação física, também são oferecidas aulas de artesanato, desenho e de cuidados pessoais e coletivos de higiene. No Marat, existe o “Dia da Beleza”, quando as residentes passam por maquiagem e manicure.

Uma vez por semana, a assistente social Marilaque Barros da Silva e a terapeuta ocupacional do Sanatório Mithcela Izidoro Siqueira, levam um grupo de até quinze pessoas para passear no centro da cidade. Até no cinema eles já estiveram. “Levá-los ao supermercado, à sorveteria praças, apesar do preconceito com que muitas vezes somos recebidos, é uma excelente forma de socialização”, garante a terapeuta.

Publicado por Fernando Machado Borges de Lima em setembro de 2007

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