Primavera no cerrado

Estação das flores começa hoje


Goiás não é um estado com as estações do ano definidas: verão, outono, primavera, inverno, cada uma em seu tempo. O que seria bom, para fluirmos nos ciclos da natureza. Podemos procurar fluir internamente, apesar da estação oficial. No próximo dia 21 de setembro, ocorre o equinócio de primavera no hemisfério sul. Tempo de desabrocharem as flores, os frutos que germinaram no inverno, em que é tempo de hibernar. Quanto mais rigoroso o inverno, quanto mais profunda a hibernação, mais bela a floração. É o que dizem.

Menciono o inverno, mas para mim é uma abstração, pelo menos exteriormente. As temperaturas mais baixas que já experimentei foram na cidade de Canela/RS. Alguns graus abaixo de zero. Um frio que doía até os ossos, apesar dos agasalhos. Uma sensação estranha, perturbadora. A hibernação forçada doía além da conta. A cidade estava monocromática, cinza. Interessante que o povo é muito alegre e simpático, não são invernais nos humores. Mas, apesar da beleza da Serra Gaúcha, minha vontade foi sair correndo dali e nem esperar o outro dia, em que o inverno podia melhorar. Como fui afetada pelo invernico. Que vontade de voltar logo para o meu cerradinho, onde está difícil pegar menos de dez graus. Naquele momento, pude perceber como a estação, a exterior, pode nos afetar.

No cerrado me sinto em casa.

O ápice da seca no cerrado é em setembro. O início do mês da primavera, por aqui, tem essa relação com a seca. O céu fica opaco. À noite não vemos estrelas e luas, tudo aparece embaçado. Haja água, umidificador, hidratante e tudo isso. Apelidei fim de agosto, início de setembro, de Saara. Às vezes chove, aí melhora. E quando não chove chegamos perto de saber como se sentem os beduínos no deserto. Brincadeira. Estamos sob ar condicionados e não somos errantes como os beduínos. Há quem desconheça o fato de que o ar condicionado piora a seca. Baixa ainda mais a umidade do ar. Gosto de sentir a secura, a prefiro ao ar condicionado. Se é o que a natureza tem a oferecer, prefiro fluir no ritmo.

E como a seca, por aqui, tem a ver com o início da primavera, e como no inverno oficial não faz tanto frio, a primavera talvez comece quando começa a seca. Então teríamos duas estações: primavera seca e verão chuvoso.

Uma primavera de abril a outubro. Pois em matéria de cores, flores e belezas naturais, Goiás é sempre um desabrochar, um deslumbre, em qualquer época do ano. Caminhar por aqui, dirigir por aqui, com olhos postos na cidade, é se surpreender, sempre. E se deliciar. Deparo-me constantemente com novas cores, ângulos, árvores e flores que ainda não tinham sido olhadas. As árvores que mais me atiçam o olhar são os ipês (roxos, amarelos, brancos, rosas), buganvilies e flamboyants. Mas há tantas outras árvores e flores que não sei o nome.


Então, como diria o cronista Rubem Braga, em Brasília "fazemos amor com o mundo", não importa se na primavera ou no verão.

Por Regina Melo, poetisa mineira

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