Amores virtuais: tendência ou fuga da realidade?

A psicóloga Kátia Beal fala aos leitores do Rio Verde Agora


É tendência que uma parte das relações sejam virtuais?
Sim, com a facilidade de se ter acesso a muita informação pela Internet, isso acabou se estendendo também aos relacionamentos, quer sejam eles profissionais, de amizade e os amorosos. As pessoas hoje em dia buscam encontrar pessoas que muitas vezes não conseguem encontrar no dia a dia, no trabalho, na escola. Quando se procura na Internet, seja através das redes sociais (salas de bate papo, Orkut, MSN, facebook, entre outros), pode-se encontrar alguém que é exatamente do jeito que quer, com as características que deseja, como gostos e afinidades, o que acontece muitas vezes é que algumas informações podem não ser verdadeiras, e esse é somente um dos riscos dessa forma de se relacionar. É uma tendência muito grande também, porque parece muito mais fácil se esconder atrás de um nick por exemplo. Pessoas tímidas podem estabelecer relações de maneira menos angustiante estando na frente da tela do computador, e não pessoalmente. Nesse caso, fica muito mais fácil “se soltar” e iniciar um bate papo. Outro motivo pode ser porque as pessoas podem estabelecer contato quando bem quiserem, estando no trabalho, em casa, ou em ambientes menos íntimos como as lan houses.

Até que ponto é saudável manter um relacionamento virtual sem conhecer a pessoa? Isso de certa forma não cerceia vida da pessoa? O que a pessoa deve fazer para não deixar sua vida só centrada no virtual?
Costumo dizer que a vida acontece é ao vivo, na realidade. Os relacionamentos virtuais podem ser saudáveis até o momento em que fazem a pessoa feliz, em que ela se encanta ao receber uma mensagem do outro, que fica conversando e trocando informações e palavras carinhosas. Ele deixa de ser saudável, e isso vale tanto para o virtual quanto o real, quando a pessoa vive somente para o relacionamento. Ou seja, virtualmente falando, quando a pessoa deixa de realizar atividades do seu dia a dia, como os compromissos escolares, familiares, de amizade, de trabalho, entre outros, para passar o dia todo na frente do computador. Quando deixa de freqüentar uma academia, fazer um exercício físico, de ler, fazer um curso, de sair com aquela amiga, de jogar o futebol com os amigos, deixar de ir na festa da tia ou da avó, porque preferiu ficar em casa para teclar ou para esperar que o outro entre. Nas redes sociais podemos identificar comunidades que refletem bem esse comportamento como a “sobe janelinha, sobe” que tem como membros as pessoas que ficam esperando a pessoa entrar no MSN, ficar on line.
Quando a pessoa tem acesso às formas de se relacionar pela Internet no trabalho pode comprometer seu desempenho.
O que se pode fazer para não deixar centrada só no virtual é estabelecer sua rede de amigos também no real, equilibrar o tempo que se passa na Internet com o tempo para as atividades da vida, ter em mente que a vida acontece é ao vivo. É no mundo real e não no virtual que as pessoas beijam, andam de mãos dadas, se abraçam, casam, tem filhos. O virtual é bom, mas é preciso saber dosar. Outra maneira é saindo de casa, freqüentando barzinho, ir pra balada, curtir com amigos, porque os relacionamentos acontecem muitas vezes nos lugares onde nem imaginamos. E é importante conhecer a pessoa sim, porque a Internet tem pessoas boas, mas também tem pessoas que podem tentar enganar o outro, como é comum em casos de pedofilia, por exemplo, ou de aliciamento de menores, em que se prometem mundos e fundos e no fim é tudo para ludibriar e enganar o outro.

É preciso que uma hora eles se conheçam?
Isso depende do tipo de relacionamento que a pessoa está querendo. Se for algo só para saciar vontades, para curtir, sem envolvimento mais sério, acredito que não. Eles podem “matar” essas vontades e curiosidades com uma web cam por exemplo. Lembrando que é preciso ter muito cuidado com que se tem certas intimidades. Muitas pessoas tiveram sua vida exposta por pessoas sem escrúpulos, o que é crime. Muitas vezes também, o relacionamento virtual é só uma ferramenta para apimentar uma relação real já existente. As pessoas tem essa necessidade, de se sentirem desejadas também por outras pessoas, e a Internet acaba ajudando nesse sentido, por não precisar necessariamente do envolvimento físico. Mas se o relacionamento está em vias de algo mais sério, é preciso sim, como disse anteriormente, a vida acontece é no real. Não dá pra ficar uma vida inteira vivendo no imaginário, na fantasia, no virtual.

Como ficam as questões de ciúme, confiança num relacionamento virtual? Eles tendem a ficar, respectivamente, maior e menor?
Cada vez mais as pessoas procuram o consultório por algum motivo relacionado aos problemas causados pelo ciúme virtual. Na maioria das vezes é porque viram um recado de outra mulher no perfil do orkut do namorado, mensagens em tom ambíguo, ou quando mandam beijos, se mostrando muito intimas (isso vale tanto para homens quanto mulheres), inclusões de amigos no perfil com fotos sensuais, apelidos carinhosos que soam como permissividade e intimidade. Algumas pessoas acabam até excluindo seu perfil, ou porque era motivo de briga ou porque foram “obrigados” pelo outro. Mas não só o número de pessoas que procuram o consultório de psicologia devido ao ciúme virtual que aumentou, ocorre também um aumento gradativo no número de pessoas que procuram os escritórios de advogados pelos mesmos motivos: o ciúme e a infidelidade via net.  A infidelidade acontece porque muitas pessoas percebem o mundo virtual como uma oportunidade de conhecer outras pessoas até mesmo para um sexo casual. Contudo, não podemos responsabilizar o “virtual” pela infidelidade. A Internet na verdade é só o meio, porque a infidelidade provavelmente ocorreu porque o relacionamento já estava desgastado, só potencializa uma relação já fragilizada. A net proporciona uma nova maneira, um meio para a infidelidade, que pode começar com mensagens ingênuas e sutis, e evoluir para confidências do próprio relacionamento que pode não estar bem. Quando menos se espera, a pessoa já se envolveu de tal maneira, que se vê fantasiando e imaginando um encontro sexual. Mesmo que não seja física, esse tipo de traição acaba ferindo e machucando o outro, com certeza. Os relacionamentos virtuais tem o poder de fazer com que o outro nos valorize, pois, não está ali no contato diário, quando se percebem os defeitos, os problemas. A tendência da net é mostrar só o que interessa, só o que a pessoa julga bonito, e isso a faz se sentir poderosa, amada, respeitada, admirada.

Como lidar com a ausência física da pessoa?
Muitas pessoas se satisfazem somente com o contato virtual, ou vendo por meio de web cam. Outras já fantasiam e se imaginam com a pessoa. O contato telefônico também ajuda. É bem verdade que é ruim ficar longe de quem se gosta, o ideal seria promover encontros periódicos, mas se isto não for possível, é tentar compreender que a vida não pode viver em função desse relacionamento e procurar novas alternativas de estar bem consigo mesmo, de ir ao cinema, de ler, fazer novas amizades, trabalhar, estudar, e não viver em função somente desse relacionamento, não ser dependente, ter vida própria.

A internet está provocando um novo re-arranjo nos relacionamentos amorosos? A fidelidade está mais flexível uma vez que a distância física pode fazer com que os namorados busquem parceiros reais para saciar carências físicas?
Não, não acredito que a fidelidade esteja mais flexível, nem penso que será um dia. As pessoas poderão ser infiéis em qualquer um dos meios. Como disse anteriormente, a infidelidade ocorre quando o relacionamento já está desgastado ou não está satisfazendo a pessoa totalmente e isso independe se o relacionamento é virtual ou real. O fato de estar próximo a alguém não provoca a infidelidade. Se o outro está feliz com o relacionamento virtual não haverá a necessidade de estar com outra pessoa, não cabe um terceiro.

O conceito de fidelidade para namoros virtuais é diferente?
Não, na verdade o conceito de fidelidade é o mesmo em todas as situações. Quem ama verdadeiramente o outro, não encontra motivos para a traição. O que pode acontecer é a pessoa poder imaginar o seguinte “se ele estabeleceu contato virtual comigo, pode muito bem estabelecer com outra pessoa”, mas como diz o velho ditado “o que os olhos não vêem, o coração não sente”, então, esse conceito pode ser levado menos em consideração do que no real, mas não deixa de existir.

O virtual pode ter mais importância que o real?
Pode, a Internet tem o poder de fantasiar, de brinca de faz-de-conta, as pessoas podem se entregar às fantasias, sem limites, e podem dar excessiva importância a esse meio. Mas na prática, não deveria, pois o ser humano é um ser de relação, e isso implica em estabelecer contatos reais, contato físico, carinho, aconchego, cuidados, que só se tem no real.

Entrevista concedida ao Repórter Ricky Hiraoka da Revista Gloss.

Dúvidas? Envie e-mail para nossa colunista, a psicóloga Kátia Beal katiabeal@gmail.com

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