Realidade socioeconômica dolorosa

Grande parte da população mundial ainda sofre de fome


Enquanto escrevo estas linhas, oito crianças menores de cinco anos de idade estão morrendo na Argentina e, dez, no Brasil, vítimas da desnutrição. Simplesmente, 14% da população mundial sofre de fome ou insegurança alimentar, termo usado pela FAO (Agência para a Alimentação e Agricultura, da ONU) para caracterizar a falta de acesso a alimentos suficientes para manter a vida.

A realidade socioeconômica, em âmbito mundial, é perversamente dolorosa. Os números que mostram essa ignomínia são revoltantes: a cada dia que passa mais de 16 mil crianças com menos de cinco anos morrem por fome ou problemas a esta associados. Isto apesar da agricultura mundial estar produzindo 17% mais de calorias por pessoa, por comparação ao que se produzia há três décadas, e mesmo tendo em conta que a população mundial aumentou 70% nesse período.

Há um problema enorme de distribuição de alimentos, como há um mercado de alimentos extremamente concentrado, em poucas mãos. O setor de alimentos é o mais concentrado e cartelizado da economia mundial, mais até do que o petróleo. Há apenas dez grupos multinacionais que controlam 85% dos alimentos comercializados no mundo. Isso significa que eles têm o controle do transporte, dos silos, dos depósitos, de todo o mecanismo que cerca a produção e distribuição de alimentos, além, obviamente, de definirem os preços. Esses dez grupos têm um poder sobre a Humanidade que ninguém no passado teve, contextualiza Jean Ziegler, sociólogo suíço.

É fato que o desenvolvimento desigual dos países e regiões da economia capitalista se aprofundou com mais intensidade nesses modernos tempos de economia globalizada, cujos ganhos na escala financeira se avolumam à medida que a precarização das relações de trabalho (exploração, subemprego, informalidade) se tornam mais constantes, á medida que a desigualdade social grassa em larga escala.

Inequivocamente, o processo conhecido por “globalização” tem manifestado sua face de desigualdade em todos os níveis da economia impactando numa sociedade cada vez mais desigual e mais injusta socialmente.

Os números dessa desigualdade com reflexos explícitos nas condições de vida dos mais necessitados são, como afirmamos anteriormente, perversos e dolorosos. Vejamos isso em detalhes, com base na argumentação de Ziegler: “Hoje não existe falta de alimentos, o que existe é falta de acesso. As cifras são as seguintes: a cada 5 segundos, uma criança de menos de 10 anos morre de fome. No mundo, 56 mil pessoas morrem de fome por dia. E 1 bilhão de pessoas são permanentemente subalimentadas. O relatório da FAO mostra que o número de vítimas cresce, mas que a agricultura mundial poderia alimentar normalmente, com uma dieta de 2,2 mil calorias por dia, 12 bilhões de pessoas. Então, uma criança que morre de fome hoje é assassinada. Fome não é mais morte natural. É massacre criminoso, organizado. O número de mortes no mundo, por ano, corresponde a 1% da população do planeta. Desses 70 milhões, 18,2 milhões morreram de fome ou de suas consequências imediatas”.

Segundo o Banco Mundial (dados de 2011), 1,100 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar por dia e 2.800 bilhões vivem com menos de dois dólares/dia. Projeções para 2015 indicam que 750 milhões de pessoas estarão em uma posição de completa degradação social – 15% da pobreza global em comparação aos 28,3% calculado em 1990.

Atualmente, existem mais de 55 milhões de latino-americanos e caribenhos vivendo em extrema pobreza. Só no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a fome afeta mais de 15 milhões de pessoas.

Desse modo, perpetuam-se as indecentes linhas de pobreza relativa (quando uma pessoa é considerada pobre a partir do momento em que sua renda é inferior a uma determinada magnitude de poder de compra) e absoluta (quando a quantidade de dinheiro recebida não é necessária para alcançar um nível mínimo de vida).

Urge, portanto, buscar alternativas para a superação dessa realidade social perversa. Na essência, o que todos almejamos é a criação de outra economia que seja capaz de criar um “mundo” em que caibam todos “os mundos”, com a participação ativa de todos, priorizando o “ser” e não o “ter”; um mundo em que a fome seja, definitivamente, varrida do mapa.

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