South Park: A fenda que abunda a força brinca superficialmente com identidade de gênero e relações raciais

Continuação de 'Stick of truth' aumenta sistema de RPG com super-heróis, mas perde originalidade do antecessor


O game “South Park: A fenda que abunda a força” é um longo e bom episódio interativo de 20 horas. O novo jogo baseado no desenho criado por Trey Parker e Matt Stone em 1997 foi lançado para Xbox One, PlayStation 4 e PCs e consegue o mesmo fenômeno interessante de outro jogo lançado em outubro.

Assim como “Middle Earth: Shadow of war” fez com “Shadow of Mordor”, a continuação de “South Park: Stick of truth” expande e melhora o que foi criado por seu antecessor, um game que surpreendeu muita gente quando foi lançado em 2014, ao mesmo tempo em que perde muito da imaginação e da ousadia responsáveis por aquele sucesso.

Além das novidades, “A fenda que abunda a força” mantém o espírito do desenho. Nada é sagrado. Desde discussões sobre identidades de gênero ou relações raciais, a religiões e violência policial, tudo tem um alvo nas costas – sempre com piadas escatológicas com vômitos ou gases pelo caminho. Ou seja, um dia normal em South Park, Colorado.

Não esqueça de levar uma capa
“A fenda que abunda a força” troca o tema de RPG de fantasia de “Stick of truth” por super-heróis. Cartman, Kyle, Stan, Kenny e as outras crianças da cidade estão divididas entre duas super-equipes em uma espécie de “Guerra civil”. Eles competem para ver quem lança primeiro sua própria franquia cinematográfica, com direito a filmes e séries da Netflix.

O jogador pode então criar seu próprio personagem e escolher seus poderes entre os diversos arquétipos de super-poderes apresentados nos quadrinhos, como o superveloz, o possuidor de força bruta e o atirador de raios. É difícil pensar em um que não esteja presente de alguma forma.

Não é necessário se preocupar muito com a classe escolhida, já que o jogo permite eventualmente que todas elas sejam exploradas e misturadas quase livremente em algum ponto. Tal liberdade, somada às diversas possibilidades de fantasias que não influenciam as habilidades, permite que o jogador dificilmente fique entediado com o próprio herói.

Já o enredo, apesar de apertar todos os botões corretos para agradar aos fãs, segue uma linha muito mais direta do que a história passada. É possível percorrer toda a cidade, e encontrar com a maior parte dos personagens, mas há poucos momentos de surpresa verdade e de mudança de ambiente. Até o Canadá, com sua enorme muralha, é apenas uma promessa que nunca se realiza.

Respeite meu posicionamento!
“A fenda que abunda a força” mantém o RPG, gênero do anterior, mas implementa um sistema tático durante as batalhas que as tornam mais dinâmicas. A posição de seus personagens influencia diretamente no combate, e suas habilidades podem atingir diversos inimigos dependendo de sua localização.

Nada muito complexo, no entanto. É fácil de entender os princípios e, após algum tempo, adotar uma estratégia que faz com que poucas lutas sejam desafiadoras de verdade. A maior mudança é gerada por alguns dos chefes, que forçam os heróis a atravessarem o mapa em combate ou a desviar de golpes devastadores, mas nada que impedirá o avanço por muito tempo.

O mais interessante é como o jogo mantém o espírito “inocente” presente no desenho. Afinal de contas, apesar de desbocados, os protagonistas ainda são crianças.

Entre superpoderes e palavrões, é fácil esquecer que se tratam apenas de meninos com fantasias de papelão ou potes de plástico. Eles levam tão a sério sua brincadeira que muitas vezes a imaginação e a realidade parecem coexistir – pelo menos até o momento que um carro passa pela rua e todos devem interromper os confrontos para voltar para a calçada.

Muita fala, pouco tato

“South Park” sempre foi conhecido por abordar temas importantes sem muitas restrições, o que atrai elogios e críticas dos dois lados do espectro ideológico. O jogo não é diferente.

Talvez você se lembre que o jogo se tornou notícia ao anunciar que, quanto mais escura a pele do protagonista, maior seria a dificuldade – apenas para falar pouco depois que isso não influenciaria nos combates.

Os temas são introduzidos habilidosamente no sistema do jogo, como os diálogos com o coordenador do colégio, senhor Mackey, para determinar se o personagem criado é trans ou cisgênero, hétero ou homossexual (ou mais uma enorme variedade de opções).

É assim na maior parte do tempo. As discussões são importantes e até aparecem, mas pouco mudam a experiência ou a narrativa em si.

Isso quando o tom não erra completamente o alvo, por não perceber seus próprios defeitos ou por exagerar na vontade de ser radical.

Algumas personagens coadjuvantes espalhadas pela cidade brincam toda hora que deveriam existir mais heroínas na turma. Verdade. Mesmo assim, o elenco principal de selecionáveis oferece apenas uma.

Além disso, é difícil entender o que há de tão crítico e radical na missão em que é necessário “dominar” prostitutas inimigas ao dar tapas nelas.

“A fenda que abunda a força” é um belo jogo, que funciona melhor como um episódio generoso de “South Park”, mas que dificilmente atrairá ou conseguirá agradar aqueles que não são fã do desenho. E eles, como sempre, parecem não se importar com isso.

G1

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