Mutirama expõe uma gestão fora do compasso

Enquanto a administração municipal resolver fazer campanha disfarçada de ações, vamos ver Goiânia sendo gerida na contramão do progresso. A cidade precisa de um mutirão, sim, mas para levá-la, enfim, ao século 21


Para quem cresceu em Goiânia nas décadas de 70 a 90, antes que shoppings, smartphones e jogos eletrônicos tornassem o lazer uma prática de espaços fechados, o Mutirama era o ápice da felicidade lúdica. Era o passeio preferido para meninos e meninas de qualquer classe social já que, para quem não podia pagar pelo valor dos ingressos das grandes atrações – na verdade brinquedos relativamente simples, se comparados a equipamentos de outros empreendimentos similares –, o parque dispunha também de boas atrações para diversão gratuita na chamada “caixa de areia”. Com certeza o Mutirama foi, durante todas essas décadas, o principal equipamento público de recreação. Mérito de Iris Rezende que, ainda um jovem prefeito, o havia inaugurado no fim dos anos 60, antes de ser cassado pelo regime militar.

Entretanto, Mutirama é um nome atípico para um parque de diversões e com certeza deve despertar curiosidade em quem o ouve pela primeira vez. Só sendo goianiense – ou, pelo menos, goiano – para entender sua origem. O neologismo criado para batizar o espaço vem do termo “mutirão”, a prática que popularizou o então dinâmico Iris naquele seu primeiro mandato no Executivo municipal. O mutirão era uma forma de trabalho bastante conhecida no meio rural antes do advento das máquinas agrícolas e se constituía da colaboração entre vizinhos de propriedades para executar determinado serviço. Com a modernização do campo, a atividade foi se tornando um costume do passado.

Meio século depois, o nome da principal ação governamental de Iris Rezende à frente de seu quarto mandato à frente de Goiânia chama-se Mutirão da Prefeitura. Uma estrutura em que ações cotidianas são concentradas em determinada região da cidade e na qual se gastam alguns milhões de reais a cada vez que é montada, para dar mais visibilidade às ações da administração diante de um conjunto de bairros. Muitos vereadores já criticaram o gasto, indicando que os mesmos recursos poderiam ser investidos de forma mais arrazoada, em reformas mais pontuais daquilo que fosse mais urgente, ainda que não nas áreas mais adensadas de eleitores.

Um dos locais que mereceriam maior atenção do poder público municipal era exatamente o Mutirama. Já há alguns meses eram vários avisos e alertas emitidos sobre deficiências do parque, seja pela imprensa, seja por entidades, por investigações da polícia e – mais diretamente com foco nos brinquedos – por vídeos ressaltando possíveis defeitos em brinquedos. Como crônica de uma tragédia anunciada, o parque acabou alcançando repercussão nacional na semana passada, por um fato que seria somente desagradável se não fosse triste e grave: uma pane em um brinquedo fez com que ele se quebrasse e 11 pessoas – entre elas várias crianças – ficassem feridas, algumas com maior gravidade e uma mulher com problema sério em uma das pernas. Sangue e dor no lugar onde os gritos deveriam ser somente de alegria e excitação causados por um frio na barriga.

Como o Mutirama havia passado por diversas polêmicas e denúncias na reforma realizada entre 2011 e 2012, ainda na gestão de Paulo Garcia (PT), o episódio – que não deve ser chamado de “acidente” ou de “crime” até que sejam apurados os fatos e esclarecidas as devidas responsabilidades – serviu para retirar todos aqueles antigos esqueletos do armário. Voltaram à tona acusações de superfaturamento e de compra de brinquedos usados que supostamente seriam nada mais que sucatas e que judicializam a questão até hoje. Por causa de desconhecimento técnico e de valores de mercado, houve ações que afetaram a empresa responsável, que sofre consequências até hoje e não pôde receber pelos serviços.

Esses mitos em torno dos brinquedos usados e de seu valor – que seriam mais caros que equipamentos novos, conforme propalaram alguns vereadores à época, notadamente Elias Vaz (PSB) – foram desfeitos à época por uma série de reportagens que o Jornal Opção publicou, indo diretamente à fonte: Adilson Capel, dono da empresa e que trabalha no ramo há mais de 35 anos. Basicamente, ele disse que brinquedos usados são tão perigosos ou tão seguros quanto os novos. O que faz a diferença é a manutenção. Sem ela, um brinquedo recém-adquirido pode já estar sucateado. E que o dinheiro destinado à reforma não daria para comprar brinquedos novos e de alta qualidade. Simples.

Mas, cortina de fumaça à parte, o que dizer quando não apenas um brinquedo, mas todas as atrações de um parque público de diversões do porte do Mutirama estão sem um responsável técnico há mais de seis meses? Uma irregularidade gravíssima e, por si só, um sinal de negligência, independentemente de um eventual acidente. E justamente na gestão do “pai” do parque, Iris Rezende.

O fato se agrava ao saber que até o fim do ano passado havia, sim, um profissional que respondia pela Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) e que na última vistoria anual o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (Crea-GO) constatou a falta de engenheiros responsáveis pela manutenção dos equipamentos mecânicos. Por mais que a direção da Agência Municipal de Turismo, Eventos e Lazer (Agetul) tenha agora tentado buscar justificativas – como um laudo técnico do Corpo de Bombeiros, que no entanto não tem a ver com a segurança dos brinquedos – e que a direção do parque tenha dito que vai passar a fazer uma manutenção mais rigorosa, isso chega tarde para a imagem do parque e para quem se feriu (perguntar não ofende: se haverá mais rigor na manutenção, esse não seria o rigor que deveria haver exatamente para evitar a quebra do brinquedo?).

Ao contrário do mutirão, que, com a modernidade e suas máquinas caiu em desuso – nas fazendas, embora não na gestão de Goiânia –, o Mutirama não precisava passar pelo constrangimento de, sendo uma referência do lazer na capital, ter de enfrentar um estigma tão negativo e ser considerado ultrapassado. É necessário que haja um princípio que deveria se estender a toda a administração municipal: a atualização e a transparência. Que o viés político-eleitoral seja contido nas ações de gestão e guardado para o tempo devido. Enquanto a administração municipal resolver fazer campanha disfarçada de ações, vamos ver Goiânia sendo gerida na contramão do progresso. A cidade precisa de um mutirão, sim, mas para levá-la, enfim, ao século 21.

Jornal Opção

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