Totó: continuemos o jogo elegante

Uma homenagem a um craque nascido em Rio Verde


Dizem que óleo (“Gordura”) não se mistura facilmente com a água, mas o Córrego Gordura se mistura rapidamente às águas do Boiadeiro e ambos passam a formar um riacho só, na descida rumo ao majestoso Araguaia que os aguarda e – ao recebê-los - se precipita numa cachoeira inesperada e impensável.

Todas essas águas que banham meu Alto Araguaia ficaram, no último dia 18.08.2018, mais tristes e - frias ou quentes, por qualquer ângulo que as miremos - mais pareciam lágrimas brotando de olhos d’águas sofridos que carregavam a dor da perda de um grande filho querido, egresso de Rio Verde/GO, que aos araguaienses  se misturou e a todos encantou com seu futebol  maravilhoso.

Por mais umas dessas razões que a gente só pode tentar entender e se conformar, tais águas não mais circundarão o pedaço - a porção - de chão - que orgulhosamente abrigou durante anos o grande Totó. Não! O chão não desapareceu – ou desaparecerá -  e nem os riachos do meu Araguaia secaram – ou secarão. Deus simplesmente resolveu que Totó tinha que descansar e que as águas deveriam continuar a correr – e o chão a existir - sem ele. Assim, como se simplesmente apagasse a luz do sol, uma penumbra de tristeza se abateu sobre minha terra abençoada.

Em momento algum deixei a névoa escura entristecer meu coração e obnubilar minha alma. Minha reação foi olhar para o céu e imaginar quão alegre ficou o espaço celeste com a chegada do novo, ilustre e humilde hóspede/mestre. Foi assim, que comecei a matar a saudade no peito e driblar a emoção, trazida por essa bola inesperada e quadrada que outro craque – o craque do tempo -  chutou, nesse 18 de agosto de 2018.

Totó, o Totó de Rio Verde/GO, O “Totó da Loja”, o “Totó do Pantera do Leste” - o Totó, Pai de uma família maravilhosa e companheiro/amigo de várias gerações de araguaienses,  levou consigo para o universo celestial a noção clara da colocação exata, o domínio elegante e habilidoso da bola, a marcação implacável, paciente e calma, o cerco constante ao adversário,  o deslocamento perfeito para ser opção de passes, a proteção correta feita com corpo, braços e pernas, a perfeição das assistências, a concentração objetiva e o foco, o entusiasmo otimista de quem conhece, a orientação serena e oportuna de quem sempre atuou com inteligência, seja dentro ou fora dos campos e das quadras de futebol por onde desfilou/demonstrou companheirismo, educação e humildade, inclusive ao ensinar.

Tive o privilégio de ser um de seus alunos.

Se as águas do Araguaia continuam a correr de forma inexorável e inflexível, elas continuam tangíveis como a vida e os nossos corações.  Também o nosso chão continua firme, embora não haja a menor dúvida de que a bola murchou um pouco nesse dia 18 de agosto de 2018, em Alto Araguaia/MT.

Tenho a impressão que Deus não matou essa bola pra depois tocar a vida. Deve ter tocado de primeira sem surpreender aos que conheciam o jeito do craque jogar. Totó praticamente não matava a bola, mas a acarinhava e acariciava; dava-lhe toques sutis, rápidos e inesperados para que ela procurasse, solidariamente, pelos pés de outros companheiros, o seu destino glorioso que era o gol (Que o digam Delvi e Wilsinho!).

Não brincava e nem caçoava dela, sabia da sua importância e a conduzia com maestria ímpar. Sabia como ninguém, claro, dividi-la, sem medo, qualquer que fosse o adversário ou o companheiro. Conseguia transformar tijolos quadrados que recebia remodelando-os para torná-los, novamente, bolas redondinhas a serem redistribuidas e roladas com leveza no jogo contínuo da vida.

Mantenhamos a galhardia. Continuemos o jogo com a mesma elegância, classe, altivez e habilidade para driblar desafios inesperados que a vida e o tempo nos apresentam, assim, de repente.  

Estamos juntos Totó. Com Deus.

Abraço a toda família e amigos do grande Totó.

Nelson Maia Timo (21.08.2018)

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