O tacho de cobre e a colher de pau

A porção grudada no tacho é mais saborosa


Tacho arredondado, bem areado, todo de cobre, antigo. Pertencera ao senhor Godofredo e dona Josefa, sua amada esposa.  Há cerca de 60 anos o compraram de uns ciganos que passaram naquela estância e montaram suas barracas perto do paiol. Cigano, historicamente, é vítima de preconceito  e lhes atribuem os adjetivos de ladrões de cavalo e vendedores de falsos tachos de cobre. Godô e Zefa ficaram receosos, mas fecharam negócio e dentro de alguns meses se comprovou que não houvera trapaça.

Godô e Zefa faleceram há vinte anos e o tacho mais a colher de pau( adquirida dos mesmos fornecedores e na mesma  ocasião) ficaram, por sorteio, para Godofredo Filho e sua companheira Romualda, que compraram dos demais herdeiros a sede da fazenda. De pé junto à fornalha antiga, mais antiga do que o tacho e do que a comprida colher de pau, Romualda mexia, ora na horizontal, ora na vertical, ora de forma circular, a massa contendo goiabas colhidas no amplo quintal. Goiaba com fartura. Gente, pássaros, formigas, suínos, bovinos serviam-se dessa deliciosa fruta, muitas delas “bichadas”.  De vez em quando a fumaça atacava os olhos da jovem Romualda, 30 anos completados há dois meses, e ela limpava, com o avental, as  lágrimas que não eram de choro.

Dentro da casa, à parede da sala, o relógio anunciava o horário da merenda: uma e meia da tarde. No quintal, uma galinha d’ angola dizia-se fraca e o galo subiu nas costas de uma galinha. Foi rápido, muito rápido. Assim não há tempo de saborear, mas assim quis a natureza. Godofredo Filho está chegando, a cavalo, da invernada porque pela manhã dera falta de uma vaca parideira e muito boa de leite. Ele saíra a campeá-la na companhia do Tonhão, primogênito seu e da Romualda, e a encontraram. Havia se extraviado. Romualda pedia a Isabel, Julita e Totó que se afastassem do tacho porque a massa “espirrava”.

Mais um pouco, o doce alcançou o ponto almejado. Romualda transfere o conteúdo para vasilhas diversas e todos, inclusive o Godofredo Filho e a própria Romualda, querem rapar o tacho. Tem-se a impressão que a porção grudada no tacho é mais saborosa. E rapam, rapam, rapam e o depois o lavam.

Quando foi lá  pelas cinco e  meia da tarde, jantaram um lombo de porco na véspera abatido e por sobremesa  o doce de goiaba acompanhado de queijo fresco. Pouco depois da sete da noite, recolheram-se para dormir ao som poético do monjolo incansável a limpar o arroz. Vez por outra, um galo cantava, outro respondia.  Amavam-se muito Romualda e Godofredo Filho. Naquela noite, repetiram sinceros juramentos e integralmente se entregaram, saciaram-se,  sugaram-se. Seus seios robustos e seus lábios de mel inflamavam o homem que Deus lhe dera para ser seu  companheiro fiel até que a morte os separe.
 
(Filadelfo Borges de Lima, 72 anos, natural de Jataí, residente em Rio Verde desde 1973. Autor de vários livros e líder da criação da “Academia Rio-Verdense de Letras, Artes e Ofícios”. Auditor fiscal aposentado de Goiás, integra o Sindifisco e a Affego. Maçom 33)

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